Já não há lugares proibidos, vamos
e connosco vem uma espécie de terror
de frieza alucinante, essa
das grandes distâncias, das eras
que nos defendem e separam.
Há palavras capazes de pôr ordem
às tempestades, e outras que arrancam
qualquer reflexo ou eco deste mundo
deixando um rosto vazio de si mesmo.
Nas paredes de alguns refúgios destruídos
ainda se lê a magia dessas frases.
Deixamos este pingar demente de épocas
entregues à ressaca e vamos
cosendo as noites entre si,
colhemos à superfície de uma vida veloz
detalhes frescos rudes absurdos,
deixamos e sofremos as marcas,
toda a ausência que se pode suportar,
também pelo prazer de nos sentirmos
longínquos, avistados uns pelos outros
mas tão incertamente
e a meio de raras metamorfoses.
A noite pode ter sido tudo
o que exigimos da vida,
e como era doce então sair da cama
olhar algum vestido desfeito por mãos
apressadas, sentir o mijo bater
na água e desfazer todos os contos de fada.
Apreciar o vulgar afecto que trocamos
como alegres anjos retardados,
seguindo na pele uns dos outros o brilho
dessas luas a atravessar os lagos desertos.
Algum de nós pôde deitar-se com Joyce
Mansour, mordeu-lhe o lábio inferior
com vontade de o desmanchar para sempre,
outro aproveitou-se o mais que pôde
de Colette, mas elas e outras
também nunca nos deixaram sair vivos
desses quartos. E neles descobrimos
juntos como os corpos são apenas
tão belos quanto a dor que os espera.
Depois as histórias prolongam-se
livrando-se de qualquer sentido,
dando cabo de todas as ilusões.
Os que ouvem, já sabem e riem…
Como os beijos morrem tão depressa,
e as bocas duram menos que um segredo.
Mais tarde algum covarde dirá o pior
dos que se amaram.
E terá toda a razão. Mas só contará
as migalhas, só verá o que tem
ao seu alcance. Falámos tão baixo,
tínhamos essa pouca voz de quem
se despede, de quem arranca à carne
cada um dos frutos, a dor, a própria fome.
Afinal, o paraíso fica tão perto do inferno,
mas isto só o sabem os poucos
capazes de ir e voltar.